terça-feira, 8 de dezembro de 2009

SAGASECA ENVEREDÁRIDA



 .



o diabo na rua no meio do redemoinho
o diabo no meio da rua do rodamoinho
e deus na roda
saravando saravando sarabandando

diabo sozinho
atravessando
atravancando caminho

e deus cadê deus ?
tá brincando com quem ?
rindo do mundo
e de quem quer mudá-lo

mas o mundo nunca se muda
o mundo sempre esteve intacto
se transformando parado
mudar é questão de tato !

gira a lua
gira a lua
deus tá com o diabo na rua
dentro
da rede
dentro
da roda

lá vem o doido
com a rosa
grudada no cocuruto
lá vai o doido
imitando o malungo

dansando côco
dansando côco
zanza zanzando
zanza zanzando

é o chacoalhar de ventres
que arrepia !
espia só
o esfarelar dessa farinha de gente. . .
se espalhando nesse chão
concreto de sertão

eia qué catimba catimbó
eia qué catimba catimbó

oia oia é requenguela
sou caipora urubu de jacutinga
a parnabaíba
sou anum assum assum preto
sucuri jibóia que serpenteia
sem dá nó
sou sururu sapo sorrateiro
da beira do rio-riacho

curimã cunhatã
curimã cunhatã

me benze com cuia
na mia cabeça,
pajé guru
das mata
de turiaçu

jararaquara caité
arara de rapapé
onde anda sua mulher ?

cantiga cantada na boca da língua
ritmo rimado na ponta do pé
inspirado pelo remelexo d’ssa mulher


sou caboclo
muito matuto
asto astuto
grau graúdo
teúdo e manteúdo
juro fé mais de vez
pra me aproteger
de quebrantos
que dejogam pra minha lês

mas sim
sou sou
novo nego véio
nego véio novo
não maniato em rédeas
não

jururu jurubeba
bambu que não quebra
juru jururu jurubeba
bambu que não quebra

pau-pereira
cachaça mineira
que bebe que arrefece
sede sedenta
de queimadente

sol a pino a pano quente
água de ribeira
que molha a gente
quando se precisa
em hora de demora
de demanda
e manobra

obra
do divino
nordestino
é aquele que

nó no destino
nordestino

segue itinerante
adiante avante
nó no destino

arre vixe !
os raios luminosos
do seu olhar de azeviche
coruscando
no espelho de minhalma

santaclareando
a fundura escura
do meu coração
em frêmitos
de trêmulo trovão

estrondo estorvo estouvo
estorvo estouvo estrondo
o caos deixando
rombo
embora acenda
o lampião das idéias

roda pião e o redemoinho
o diabo goza de deus
e deus regoza do diabo

tá tudo confuso !
é assim,
seu cabra apoquentado !
cabra acabrunhado...

é o cabriolar de boa linguagem
que não engabela
se afixa na moleira
o compasso da palavra
e se revela

eu nu co’ a nata
da minha fala
disparo o meu faro
meu falo
potente
ciente
presente


nu do destino
no norte do destino
vento norte
cataventando
na vila do sem-morte
mor-morte
nor-norte
eu é que não me vou
até a vila do sem-morte

nordestino é clandestino

vê se não desce
na dança-de-são-vito
é perigo
perigoso
persegue
e arrebata até quem já é doutor sinhô de si

mal de malária
mau de maleita
toma ‘sa pinga de são-bentinho
e deita no sereno
ameno
a menos que não você queira voltar a capoeirar
na beira do quebra-mar

“quebra pau
quebra côco
quero ver quem tem cabôco”

sou cria de santo forte
tenho asa
e vou no vôo longe
lá pelos além-montes
deus me faço
o diabo que caço

é fogo de vida pela vida
viver de muito pra bem ser
força de bem-querência
sextessência

não sou gato gatuno
mas tenho cá
minhas sete-vidas
aprendi com quem é sestroso
e ladino de vocação
e mui sabença


* * *

o sertão é o alvo do sol
quando a chuva erra mira
chuva é quase nunca
é coisa rara
que a natureza daqui manifesta

bate bátega
bate bátega
bate bátega
bate bátega
bátega bátega

rataplã rataplá
rataplã rataplá
rataplã

EVOCAÇÃO PARA CAIR ÁGUA

catrapus! catrapus!

jorrando do
céu de são-pedro
é tempo de tempestade
é tempo de temporal
é tempo de tempo

de enchente
óxente !

é cheia de água ?
água rasa
que que não é aguarrás
ou água-viva
que que resseca saliva ?

são josé chorou ?
são josé chora !
vez-em-quando goteja
lágrimas lá nas lamas
do mangue quarado

água é fundo de matéria vida


homem-mangue
homem-mangue
homens-mangue
exalastram-se exangues
por essas crostas movediças
feitos fortes
calangos caranguejeiros

. . . imitando mamelungo
esse moleque vara-mundo

vai bulir com o que não deve !

se arriba na trepadeira
trepa
se esconderijando
nos cabelos verdes crespos
da samambaia

ela
à de primeira pele
(jamborena
nativa de borborema
próximo de açucena)
salpicada
salpintada
salpimentada
de vermelhidão urucum
bronzecrestada
por são sol
sol-matinada

deu azo
de abrir asa
sem azorrague
até bocaiúva
nadar apatatado
pelas bocainas

braços de água que une o lago aos laços dos igarapés
pó de deixar a pé a eito do bico da papa do papo perto da pedra preta

o cara caipira de cara atarabiliária
às vezes de vezes é ataráxico
porém não se contenta
e arranca-rabo em contenda

burro brabo é boi
cabrocha bonita é cabrita
cabra-cega é cobra-criada

banho de banha
bucho de bode
berro de bezerro

couro d’ouro
caro coroa
moeda moenda
da fazenda
dum certo meeiro

rapa dura de doce
rapa de rapé
masca a casca
da mangaba

fuma rola
fumo-de-rolo
ou
a diamba do diabo
é
a
erva
daninha danada de deus

que te dá ‘quele
brilho de brio
a eito a fio
sai do seu vazio
e entra na cheia lua do cio
acende o pavio! acende o pavio!
uiva pro céu da noite!

embaratado
encantado
imantado
exaltado
exortado
imunizado

embaratado encantado
imantado exaltado
exortado imunizado


o diabo no rodapé da estrada
deus no epicentro da rua
entrecruzilhada


luz lúcida
luzidia
onde luzia?
luciluzindo
lucilando
lumeluminada

a luz que antes alumiava
agora irradia dardos de fogo
bruxuleando
bruxuleando
corisca corusca
corisca corusca

a luz que antes alumiava
agora irradia dardos de fogo

a lucina
avisa:
hoje todos serão lobos

alucina
a noite

hora dos lucífugos

pinga um bocado
de querosene
deacender
os candeeiros

bruxuleando
bruxuleando
corisca corusca
corisca corusca

a luz que antes alumiava
agora irradia dardos de fogo

lúcifer lucífero
lucifera luciferino
vocifera fera
felino felino
fere ferra
ferrabrás!
satã satanás
santo
que já esteve em paz

o diabo no meandro da rua
rodando na bola de lua
deus observa vigia atua
deus vai sentar pua!

a luz que antes alumiava
agora irradia dardos de fogo



* * * * * * *


o sertão é horizonte
onde se esconde
veredas várias

cada passo
barro
cacimba
abaixo
caçamba
de bois
boiadeiros
vermelhos negros
secos suados curtidos
da quentura manhã

só um açude
que deus nos acude !
chuva chuvisco chuvisquinho chuvarada chuvarão!
pode ser gotas de garoa
ou uma pancada de pingos. . .

sertão universal
que está inserido em nós
pois não pudemos nos afugentar
refugar
refugiar dele
sertão são
todos
somos nós a sóis
brilhando de guerras
em busca na emboscada da vitória

o diabo dá deu mó
deus já s’embora no rebojo
a refrega
a peleja
o embate
cerrou
de encerrar

e o povo segue o curso na caravana
antes do dilúvio noel se adechegar
por essas bandas gerais.

sertão é o apêndice do fim.







(FELIPE REY)



















1 comentários:

DIABLOG disse...

Felipe, tá lindo!
acho que o guima
rãs verdes veredas
se encarnou em você
que é meio índio

beijos, to por aqui

 

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